Transcrições das intervenções dos participantes em colóquios, debates ou outras sessões públicas promovidas pelo PCTP/MRPP ou das intervenções de camaradas em sessões nas quais hajam participado
Domingo, 2 de Agosto de 2020
A esquerda e o 25 de Abril - III

(Início)

 

 

“Mas os capitães do quadro diziam: “eu não posso, eu que fiz um curso militar não posso, por opção, dividir com esses indivíduos que se limitaram a fazer uma guerra em Angola ou na Guiné ou em Moçambique, dividir com eles a minha carreira” e vai surgir aqui uma contradição entre os capitães da academia militar e os capitães milicianos. Os capitães milicianos não podiam ter os mesmos direitos que os capitães do quadro permanente e os capitães do quadro permanente podiam ser coronéis, generais, podiam ser isso tudo, mas os outros nem sequer um podiam ser. E surge aqui uma contradição que leva às reuniões dos capitães, não dos generais, dos capitães, durante muito tempo para tentar resolver isto até que o governo publicou um decreto que igualava os capitães milicianos aos capitães do quadro permanente. E foi aqui que surgiu o Movimento das Forças Armadas.
“O Movimento das Forças Armadas é um movimento que se propõe pura e simplesmente defender os interesses directos daquele clã militar da Escola do Exército, o (do) clã dos capitães. Todas estas revoluções se fazem, todos os novos estados se fizeram em Portugal dirigidos por Generais, desde aquele que mais está debaixo dos vossos ouvidos que é o 28 de Maio, até outros que por aí adiante foram avançando. Inclusive o golpe de Beja era também o golpe de um general. O golpe de Beja em 1960 é também um golpe de um general. Mas nunca de capitães.
“O que é que faz com que os capitães depois de conduzirem esta guerra… - lembrar-se-ão também que houve duas tentativas de golpe por altura do 25 de Abril, primeiro um golpe das Caldas de 16 de Março, feito por quem? Pelos capitães milicianos com a cobertura do general Spínola. Este golpe falhou pois não chegou a Lisboa sequer, mas acompanhei sempre o estado disso, apenas a Alenquer e voltou para trás. Mas antecipou o golpe do 25 de Abril que já estava marcado para o 25 de Abril para não coincidir com o 1 de Maio porque o 1º de Maio era uma coisa operária, e um golpe feito numa data de operários podia ser mal entendido e eles não queriam complicações. Bom! Portanto temos aqui uma situação que é esta: (quando,) juntou-se no 25 de Abril a fome com a vontade de comer, juntou-se todas as pessoas que estavam em Portugal, todos os sectores sociais, todos os sectores estavam contra aquele regime.
“Os militares porque já estavam fartos de guerras e mais guerras, os operários porque achavam que, apesar de tudo, os seus salários eram inferiores aos salários eferentes, incomparavelmente inferiores.
“Mesmo assim não se esqueçam que no 25 de Abril lutava-se por um salário mínimo nacional para a indústria de 6 000$00 e em 1974 foi aprovado o salário mínimo para a indústria no valor de 3 300$00. Os senhores sabem que, em termos reais, este salário só foi ultrapassado em 1998? Quer dizer o que ganhamos em 1974, os 3 300$00 em termos reais, era superior a todos os salários mínimos que houve até chegarmos a 1998? Ninguém sabe, mas é verdade: são factos.
“Quer dizer, a revolução faz-se numa situação em que, em Portugal, não havia uma crise mas sim um desenvolvimento acelerado, numa situação em que estruturas tradicionais portuguesas tinham sido completamente rompidas com o aparecimento da mulher na indústria, com a emigração, com uma guerra colonial que já não era suportável. Tudo estava de acordo para deitar abaixo o regime e, portanto, facílimo.
“Mas o que é que distingue a esquerda, ou aliás, o que é que há em Portugal em 1974? Há um partido do poder, teve várias alterações, a União Nacional transformada, mas é sempre a mesma União Nacional, isto é, o partido dos grandes latifundiários e dos grandes capitalistas; existe um partido que vem da 1ª guerra mundial que é o Partido Comunista Português; existe o MRPP; e existe uma coisa que se chamava Partido Socialista e que se tinha fundado uns meses antes do 25 de Abril na Alemanha. Isso são os partidos que existem, não existem mais partidos. Bom havia umas quantas facções de intelectuais, mas partidos verdadeiramente, o que havia era isto.
“Todas as pessoas estavam de acordo em derrubar o fascismo, mas o processo para derrubar o fascismo está dependente de duas coisas: 1.º perceber o que se tinha passado na sociedade portuguesa, e se os senhores lerem hoje, - e não pensem que eu vim hoje para fazer propaganda contra os outros, eu já tenho mais que fazer do que me andar a preocupar-me com essas coisas -, mas se os senhores lerem, por exemplo, o livro que conduziu o PCP em toda esta fase que é o “Rumo à vitória” vão ver que o “Rumo à vitória” o que diz é que nós vivemos numa sociedade de desgraçadinhos.
“Ora precisamente nós nunca teríamos vivido tão bem como nos anos 60 se viveu em Portugal, nem antes, depois não é a mesma coisa, depois as coisas melhoraram, às vezes melhoraram outras vezes pioraram e, portanto, tinha-se uma visão incorrecta da situação em que o país se encontrava. E depois, quando se vai conduzir essa revolução, essa revolução é conduzida de formas que, consoante a teoria que se tem, podem conduzir para bem ou podem conduzir para mal.
“Por exemplo, toda a gente sabia que o país tinha uma forte componente camponesa: em 1960 havia 1 milhão de explorações agrícolas em Portugal, 1 milhão! Ora bem, toda a gente sabe hoje e nessa altura também sabia que a pequena propriedade estava no Norte e no Centro e que a grande propriedade estava no Sul, descontando aqui o Algarve que tem uma parte grande propriedade e uma parte de pequena propriedade e que já tinha nessa altura. Bom, portanto, havia 1 milhão de propriedades.
“Em 1970 havia apenas 750 000 propriedades agrícolas. Quer dizer, já tinham desaparecido 200 000 propriedades sem fazer revolução nenhuma. 200 000! Bom, quando se vai fazer a revolução, agora, temos duas categorias de camponeses: temos uns camponeses que vivem em terras de grande latifúndio e temos uma esmagadora maioria de camponeses que vivem em pequenas propriedades.
“A condução desta luta é a questão que decide da vitória ou da derrota da revolução. Ou bem se compreende que os camponeses, pequenos camponeses que têm aquelas imensas propriedades mas não produzem nada que sirva, nada que preste, nada que possa competir com os mercados europeus, têm de ser apoiados, e, portanto, uma parte da população tem que se virar para eles para apoiá-los, ou não se compreende isto e pensa-se que a revolução está no Alentejo e, evidentemente, a derrota vai ser fatal como o destino, tanto para o Alentejo como para o resto.
“Porquê? Porque o pequeno camponês ficou ansioso. Se num grande latifúndio os trabalhadores rurais sabem que se ficarem com o latifúndio está tudo bem, o patrão é só um, o latifúndio enorme, porque é que se há-de pegar nisto e dividi-lo em partes? Não isto fica tudo para quem trabalha a terra, tudo serve. Mas agora vão ao Minho e vão às Beiras e não têm esta propriedade e o que é que vão fazer à propriedade? Vão nacionalizá-la? Ora o camponês vai estar contra a revolução que nacionalize aquela propriedade. Como é que o camponês pode participar naquela revolução? Se o Estado lhe der garantias (de que não,) de que não lhe nacionaliza a terra e o apoia na produção até ele atingir os níveis que outras classes sociais já atingiram em Portugal.
“Isto não foi feito, isto é uma das razões por que a revolução foi derrotada e é uma das razões por que alguma esquerda que defendia que isto devia ser assim e outra que defendia que não devia ser assim.
(a seguir)


publicado por Gerês às 18:00
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Segunda-feira, 27 de Julho de 2020
A esquerda e o 25 de Abril - II

(Início)

 

 

"Acontece que, neste ano também, fizemos o acordo de entrada, – aliás somos um dos países fundadores da EFTA – numa associação europeia de comércio livre que se opunha à Comunidade Económica Europeia. Esta associação económica de comércio livre, a EFTA, nós somos um dos membros fundadores, agrupa um conjunto de países que não têm nada que ver com os países da CEE, são a Inglaterra, a Irlanda, a Suécia, a Noruega, a Dinamarca, à volta desses países, e Portugal.
"Como nós tínhamos um salário baixo, muitas das indústrias modernas começam a aparecer em Portugal. É dessa altura que aparece tudo o que os senhores conhecem hoje: a indústria automóvel, a indústria de electrodomésticos, a indústria de televisores, tudo isso aparece nessa altura. E vai instalar-se aonde? Ora, como nós vamos produzir para exportar, e os nossos países exportadores estão todos à volta da Europa, nós vamos instalar as nossas unidades fabris novas junto do mar, não no interior do país, mas junto do mar para poderem ser exportadas não através de camiões mas através de navios. Isso tem uma consequência imediata é que a população que vem trabalhar larga os campos e vem para a cidade. O país balançou, despejou tudo o que tinha no campo para o urbanismo das cidades. O nosso país desfez-se, desfez-se… (com esta urbanização, claro). Um país que era rural e agrícola: lembre-se que em 1960, 60% de população portuguesa vivia da agricultura(1), da indústria(2),  da pesca e das minas. 60% da população portuguesa! E produzia 80%. Esses 60% produziam 80%(3) do que nós comemos.
"Sabem quanto é que produzem hoje? Produzem 20% do que nós comemos. Isto é, numa década, a de 60, o país que estava fundamentalmente empregado no sector primário, chega-se ao fim da década de 60 e aqueles 45%(4)da população que estava no sector primário estava reduzida em menos 40%.
"Coisa curiosa, Portugal é o único país da Europa em que a classe operária nunca foi maioritária, isto é, o sector secundário, o sector da indústria, nunca chegou a ocupar mais de 34% da população e hoje diminuiu, isto é, de 2000 para cá tem vindo a diminuir. Ora portanto, temos o sector, o sector secundário fundamentalmente a indústria, em que a nossa classe operária, uma classe operária toda nova, isto é, começou agora, nos anos 60, ou então velha, mas velha já sem conhecer o que é que se está a passar de novo. É a classe operária do Barreiro, da CUF, esse tipo de classe operária. Não é porque não presta, é porque eram velhos.
"E de repente, um país que tinha, em 1960, tinha cerca de 20% do seu pessoal empregue no sector terciário, tem, actualmente, 70% das pessoas empregues no sector terciário. Quer dizer que Portugal passou de um país primário para um país terciário, sem nunca ter sido um país operário, sem nunca ter sido um país industrial. Isto tudo se passa na década de 60.
"Ora bem, com emigração – havia também uma tropa – havia (muita gente) muitos homens ocupados. Quem é que vai ocupar o lugar dos homens na produção? Claro, as mulheres. Como toda a gente sabe, é nos anos 60 que as mulheres ocupam tudo aquilo que os homens tinham largado, tanto na indústria de guerra como no resto das outras indústrias. Só na classe operária é que a mulher não é hoje maioritária, porque em todos os sectores da produção a mulher é maioritária, excepto na classe operária. Há uma diferença à volta de cem mil pessoas a menos para as mulheres.
"Mas, por exemplo, no sector terciário, a mulher ocupa hoje quase 80% do sector terciário. Toda esta revolução, isto é uma revolução silenciosa, (passa-se nos anos…) começa nos anos 60. Quando se chega a 1968, Portugal tem uma situação única na sua história: tem pleno emprego, isto é, ainda não tem desempregados quando faz o 25 de Abril.
Isto é uma coisa que nunca ninguém (se…) estuda, mas nós não temos desempregados quando fazemos o 25 de Abril. E mais, os salários tinham aumentado durante toda a década, e mais ainda, a parte do trabalho tem no rendimento nacional em 1974 é superior à parte que hoje o trabalho tem no rendimento nacional. Hoje, 35 anos depois. Esta década de 60 tem como consequência, portanto, a mobilização da mulher, a emigração, a guerra, e uma guerra que é colonial. Que caracteriza esta guerra colonial? Também uma coisa curiosa é que é o último império, este país pequeno, atrasado, primário, rural tem a última guerra colonial e defende o último império do Mundo. Defende este último império e defende-o com unhas e dentes.
"Qual a estratégia que se adopta? Vejam como as coisas têm a sua importância, uma estratégia militar: onde é que se vai colocar as fábricas? isso tem um enorme significado! (onde se vai) como se vai fazer a guerra tem também um enorme significado! O que caracteriza a nossa guerra colonial é que os militares nunca tiveram uma cultura suficiente para pensar aquela guerra. Não estou a defender a guerra, fui contra ela e fi-la. Portanto não estou a defendê-la.
"Os militares nunca souberam o que é que queriam com aquela guerra e então adoptaram uma estratégia para combater os movimentos de independência, naturalmente essa estratégia estava sempre condenada ao fracasso qualquer que ela fosse, mas adoptaram uma estratégia que consistia, como não era possível fazer grandes operações militares porque isso levava a que a população desaparecesse dos campos, eles não podiam fazer grandes operações militares. As grandes operações militares como o “Nó Górdio”, como operações na Guiné, como a operação “Viriato” no Norte de Angola, eram operações militares que podiam até terminar por uma vitória militar, mas que terminavam sempre com uma derrota populacional: o povo fugia.
"Então os nossos cérebros militares pensaram numa estratégia diferente que era, em vez disso, criar um esquema que permitisse defender as populações e mantê-las connosco. Para isso era preciso abandonar a guerra e fazer um outro tipo de guerra de continuação. Para isso eram precisas unidades mais pequenas, não grandes unidades mas pequenas unidades. Quais pequenas unidades? A companhia. E precisamente porque a companhia é o núcleo fundamental de guerra colonial e a companhia é dirigida por um capitão, é (por isso) que os capitães têm tanta importância nas forças armadas portuguesas. É porque a estratégia militar fez com que fosse necessário um grande número de capitães, mas não de generais, não de coronéis, não de tenentes-coronéis.
"Isto é, o exército português cresceu como uma mulher gorda: alargou para o meio, mas era para cima pequeno e para baixo só tinha duas pernas.
"Portanto, esta estrutura faz levar à mobilização dos capitães por razões meramente corporativas: como eram precisos muitos capitães, a academia militar não conseguia fabricar capitães a tempo, era preciso então recorrer aos alferes milicianos e propor-lhes: os senhores querem ser capitães? Então vão fazer nova comissão, um tratamento à pressa e eles passavam a capitães.
(a seguir)

NOTAS
(1) – é óbvio o "acrescento", pois só considerando a agricultura se atinge os 60% da população activa (segundo as "séries longas" do banco de Portugal, em 1960, a população activa portuguesa distribuía-se assim: 64,5% – sector primário+indústria transformadora; 6,4% – construção; 20,3% – serviços; 8,4% – pessoal doméstico)
(2) – só a industria transformadora
(3) – segundo as mesmas séries referidas na nota (1), em 1960, descontadas as exportações aos dois termos, o valor acrescentado bruto nacional (vabn) (a parte que produzimos do que comemos) representava 83% da soma desse vabn com as importações (tudo o que comemos), sendo este indicador, um indicador da independência
(4) – dito "60%". Trata-se aqui de confusão por se ter falado abundantemente nos 60% (crêmos nós, embora sem ter falado com o camarada) representativos da soma do sector primário com o sector secundário, descontados os sub-sectores da "construção" e da "energia, água, etc...". Tendo por referência as mesmas "séries", em 1960 o sector primário representava 43,9% da população activa e diminuiu para 28,1% em 1969, diminuindo em cerca de 40% (36%) no peso que tinha na população activa.


publicado por Gerês às 05:00
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Domingo, 26 de Julho de 2020
A esquerda e o 25 de Abril - I

Transcrevemos, a partir da gravação que também inserimos e com inteira responsabilidade da redacção do "Discurso directo", a intervenção proferida pelo camarada Arnaldo Matos na Biblioteca Municipal de Tavira, no dia 17 de Abril de 2009, em conferência / debate, com o tema "A esquerda e o 25 de Abril", promovida pela Casa Álvaro de Campos:

 

 

"Como os senhores sabem, eu sou uma espécie de comunista em prisão domiciliária, quer dizer, não tenho tempo para me dedicar à vida política activa continuamente, em todos os dias e a todas as horas. É uma pena para mim, mas é, talvez, um alívio para vós.

"Nós vivemos num país cheio de singularidades: nós somos uma nação muito antiga, já éramos uma nação talvez no séc. IX, fins do séc. IX; somos um estado velho, esse estado já existia no séc. XI; temos a fronteira mais antiga do mundo como estado independente porque é, com a pequena excepção ainda não resolvida de Olivença, uma fronteira que vem desde o tratado de Alcañices, celebrado no séc. XIII; somos um povo unitário, isto é, não temos nenhuma etnia diferente da etnia que é dominante; somos um povo que lutou e tem uma noção da independência que nunca o abandonou em circunstância alguma; temos uma cultura única; até tivemos, durante muito tempo, uma só religião, e estas singularidades fizeram do nosso país, um país também cheio de futuro, não apenas de passado.

"A partir do séc. XVII, (interiorizou-se no interior do…) interiorizou-se no cérebro dos portugueses, como povo, a ideia de que o que tinham a fazer já tinham feito, e que não havia mais nada a fazer a não ser carpir-se das suas mágoas. Estes séculos todos tivemos três ou quatro excepções contra esta teoria geral: o marquês de Pombal, a regeneração do tempo do liberalismo, a república, e o 25 de Abril. Isto, para um povo que fez a primeira revolução capitalista do mundo, em 1385, é, de facto, qualquer coisa de notável que não tenha conseguido libertar-se de todos estes atavismos durante nove séculos.

"O 25 de Abril é uma revolução. Os marxistas sabem, desde Marx, que a revolução é um acto pelo qual uma classe derruba outra classe. E o que aconteceu no 25 de Abril foi uma revolução política – isto é: um conjunto de classes derrubaram outra classe – e foi também uma revolução social ainda que de pequena envergadura.

"A esquerda tem um papel antes e depois do 25 de Abril, aliás, tem um papel durante toda a história, mas há um ponto em que a esquerda se distingue de tudo o resto: (é…) são as três razões pelas quais o 25 de Abril foi assim e não podia ser, aliás, de outra maneira. O 25 de Abril fez-se sem praticamente derramar sangue, tirando o incidente que aconteceu com a ocupação da pide. Portanto é uma revolução que se faz sem ser preciso, aparentemente, pegar em armas. Esta realidade tem uma explicação e essa explicação divide a esquerda e a direita antes do 25 de Abril e depois do 25 de Abril.

"A explicação é a seguinte, é que os que estudaram o marxismo e praticaram uma política marxista tendem sempre a considerar que uma revolução só se pode fazer quando há uma crise, isto é, nós vivemos agora num momento excelente para fazer uma revolução, numa crise profunda de todo o sistema, em todo o mundo e também em Portugal. Mas as revoluções não se fazem só nessas circunstâncias, também se fazem quando o movimento está em ascensão, como aconteceu precisamente no 25 de Abril.

"As pessoas já não se lembram mas a década de 60 é a década de maior desenvolvimento económico em Portugal: nós chegámos a crescer, durante dois desses anos da década, acima de dois dígitos no produto interno bruto, e todos os anos crescemos, nessa década, mais que os mais avançados países europeus. A nossa taxa de crescimento era superior à de todos os países europeus.

"Porque é que isto aconteceu? Aconteceu, muito simplesmente, porque este país, que tinha um sistema político autoritário, fascista, um sistema político onde a liberdade de expressão do pensamento, da formação de partidos, da cultura, onde não existiam liberdades, este país, digamos, (que) começou a andar por si mesmo, independentemente do que se passa dentro dos órgãos do poder.

"E a maneira como começou a andar por si mesmo é curiosa. Este país começou a andar por si mesmo porque era pobre e as pessoas tiveram que emigrar. Em dez anos, nos dez anos, vá, de 1960 aos finais de 1970 saíram do país 1 600 000 pessoas, quer dizer, se considerarmos a população portuguesa que nessa altura não era sequer 10 milhões ainda, 15% da população dum ano desapareceu do país. Não desapareceu num ano, isto é, num ano em que tínhamos 10 milhões, se considerarmos tudo reduzido a um ano, nesse ano 15% da nossa população desapareceu.

"Que consequências é que isto tem? Tem muitas consequências, já vamos ver.

"A primeira é esta: se as pessoas desaparecem do país e vão procurar outros países, que países é que vão procurar? Vão procurar a Europa que estava a desenvolver-se depois da 2ª guerra mundial. Já não emigram para a Venezuela, já não emigram para os Estados Unidos da América, não emigram para África. Emigram para a Europa central: para a França, para a Alemanha, para esses países, fundamentalmente para esses países mais avançados onde vão obter um salário que é superior aos salários que obtinham em Portugal.

"De repente, Portugal fica com menos um sétimo(1) da sua população.

"Por outro lado, nesta década de 60, nós temos também uma guerra, e essa guerra manteve permanentemente ocupada em actividades militares 2% da população – chegámos a ter à volta de 200 mil homens em armas, 200 mil homens, como sabem, são 2% da população. Isto é, durante dez anos, 2% da nossa população estão empregadas numa guerra. Portanto temos uma emigração, temos pessoas empregadas na guerra e temos pouca gente em Portugal para o desenvolvimento industrial.

 

(a seguir)


NOTAS
(1) – dito “quinze avos” em óbvio lapsus lingpor via da forma 15%, empregue anteriormente, que vale realmente e aproximadamente 1/7.


publicado por Gerês às 22:47
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Terça-feira, 11 de Novembro de 2008
Não à barragem de Fridão

Transcrevemos de seguida, com responsabilidade inteira da redacção do Discurso directo na pontuação e transcrição, o teor da intervenção do camarada Garcia Pereira em debate levado a cabo pelo Partido em Amarante contra a construção da barragem de Fridão:

 

Nós não somos, creio que aqui ninguém será em abstracto contra o recurso a novas tecnologias e contra a realização de obras públicas que se revelem de interesse para as populações. Agora o que de certeza nós não somos é estúpidos, nem somos carneiros nem queremos ser. E, portanto, não engulimos pela garganta abaixo, argumentos que visam apenas fazer uma coisa que hoje é muito típico do nosso país, que é dar, é dar uma veste alegadamente científica e correcta a algo que é profundamente incorrecto.

Porque é que os adeptos desta solução não dão a cara em debates, em pé de igualdade, com os críticos desta solução? Mas, porque é que não aceitam discutir em pé de igualdade? E porque é que as verdades que são feitas... saem na televisão, saem nos grandes órgãos da comunicação social, que são hoje meras caixas de ressonância do poder. É óbvio que não nos espantemos com a circunstância de não estar aqui nenhum órgão de grande expansão da comunicação social. Esses estão lá, que é para dar guarida aos sound bites dos ministros e do primeiro ministro a propósito de  recursos hídricos, a propósito de política de transportes, a propósito de  política agrícola, a propósito de todos aqueles aspectos, a propósito de política ambiental, todos aqueles aspectos que se prendem directamente com os interesses e com direitos fundamentais dos cidadãos.

De facto nós praticamos exactamente o oposto daquilo que devia ser: Portugal é hoje, designadamente no quadro da União Europeia, uma mera colónia europeia. Isto é, o governo português é um comité de negócios daquilo que é decidido em Bruxelas e, portanto, a política ferroviária, por exemplo, que é decidida para o nosso país, toda a gente percebe hoje, e percebeu e tornou-se e, depois, apareceram por aí uns espertos, daqueles que estão sempre calados, ou daqueles que estão sempre a apontar o dedo aos que levantam a voz dizendo "lá estão os bota-abaixo, lá estão os críticos por sistema", esses descobriram, por exemplo, quando foi a última chamada "greve dos camionistas" que Portugal tem um trânsito rodoviário, designadamente em camiões TIR, absolutamente brutal e que, para um país medianamente desenvolvido como nós temos condições para ser, uma rede ferroviária, com transporte que é mais barato, mais cómodo, mais seguro e que permite o grande transporte de massa, nós precisávamos, de facto, de uma rede ferroviária de interior que ligasse harmonicamente todas as regiões do país.

Mas isso era o que alguns, entre os quais o PCTP/MRPP, andam a dizer à décadas! No entanto, evidentemente, qual é a política ferroviária que nós temos? Os senhores conhecem isso até melhor do que eu, é a política ferroviária imposta pelos grandes interesses. E, portanto, a política ferroviária, a política de transportes que interessa não é haver grandes linhas ferroviárias para esta zona da Europa. Isto aqui é o refugo! Isto aqui é, para essa gente, o receptáculo dos produtos que já não têm escoamento no resto da Europa, é uma zona como, aliás, nós estamos a ver o nosso país ser transformado, uma zona que não tem agricultura, está a ser destruída na sua amplitude total, é um país que não tem praticamente indústrias neste momento, não tem pescas, não tem minas; é um país que tem alguma construção civil, quando se anima, de vez em quando, quando há uns negócios de barragens, ou estádios, ou um aeroporto para construir e um terciário, que na sua maioria, é um terciário de baixissima qualificação. É, aliás, por isso, e vai de passagem, Portugal tem, apesar do discurso oficial que diz que Portugal tem muitos doutores, nós temos duas vezes e meia menos licenciados e portadores de qualificações de grau equivalente ao superior e, no entanto, temos, de longe, a maior percentagem de desemprego de licenciados, em particular, dos jovens. Isto é, hoje, o futuro  que se abre aos jovens no nosso país é tirarem um curso superior e na maioria dos casos ou irem para o desem..., ou emigrarem, ou irem para o desemprego ou terem, andarem à procura de um call center da PT ou uma coisa semelhante, ou um lugar na peixaria do Continente, ou um repositor das lojas do mesmo hipermercado mediante um miserável emprego de quinhentos ou seiscentos euros por mês quando muito, e a prazo ou recibo verde.

Nós não temos licenciados a mais nem temos jovens a mais, temos é economia a menos o que é um problema completamente oposto, mas isto decorre exactamente de o destino que foi dado ao nosso país é este. Depois, Portugal não é uma democracia,  também temos de dizer as coisas com todas as letras, e desafio: este debate tem de ser feito em Portugal, tem de ser feito sem ser com base nas bocas e nos chavões. É que a democracia, desde os tempos da antiga Grécia, a essência da democracia, não é meter um papelinho, dobrado em quatro, de quatro em quatro anos dentro de uma urna e, depois, uns senhores que por acaso até ganham a maioria desse voto, se arvorarem em donos dos nossos próprios destinos, se esquecerem  completamente daquilo que nos prometeram e passarem a fazer rigorosamente o oposto, em nome de que lhes foram dados os votos. A democracia é exactamente o oposto disso. A democracia é a salvaguarda dos pontos de vista da minoria, porque as minorias  podem ter razão, e ao longo da história têm tido muitas vezes razão. Quando Giordano Bruno ousou dizer que não era a Terra que era o centro do Universo, mas a Terra girava em volta do Sol, os doutores da ciência, os adeptos das teorias maioritárias, os sempre dispostos a dobrar  a coluna perante o poder, gritaram histericamente que aquele era um dos tais do contra, era um bota-abaixo, e por isso mesmo ele morreu queimado nas chamas da santa inquisição, e, no entanto, passados uns séculos vê-se, afinal, que os maioritários é que estavam profundamente errados e que aquele que foi queimado nessas chamas é quem tinha profunda razão. E a democracia é mais do que isso, quer dizer, uma das coisas que eu noto aqui, e aqui, agora, aproveito o facto de estar um pouco de fora, do ponto de vista geográfico, do ponto de vista do coração estou convosco, evidentemente, mas do ponto de vista geográfico toda a minha vida pessoal, profissional, política é fundamentalmente desenvovida lá em baixo, mas uma das coisas que eu noto é: se há estes pontos de vista, e eu tenho-me peocupado em acompanhar, pontos de vista que aparecem tecnicamente fundados, tecnicamente fundados, nós ao ouvirmos os dois oradores que me precederam, não ouvimos pessoas a dizerem bocas, são pessoas que esturaram as questões e que chamam a atenção para os problemas, porque é que estas pessoas não têm onde colocar essas posições? Onde é que os cidadãos se dirigem hoje  para  exprimirem as suas ansiedades, os seus anseios, as suas dúvidas, as suas críticas que não lhes batam com a porta na cara. E isto é um problema seriíssimo.

1ª parte

2ª parte

3ª parte

4ª parte



publicado por Gerês às 02:10
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Terça-feira, 2 de Setembro de 2008
Não à barragem de Fridão

Transcrevemos o essencial da intervenção do camarada Alfredo Gonçalves no debate realizado no passado dia 30 de Agosto de 2008, na Casa da Cultura de Mondim de Basto, com o título "A BARRAGEM DE FRIDÃO - que consequências e que futuro para a população do vale do Tâmega" :

(...)

O PCTP/MRPP diz não à barragem de Fridão porque estão em causa a segurança, a saúde pública e a qualidade de vida das populações do vale do Tâmega.

O PCTP/MRPP considera que a decisão do governo em construir a barragem de Fridão, uma vez mais, vem dar razão às preocupações, às denúncias e à luta que o nosso Partido iniciou nos anos 80 em defesa dos direitos, dos interesses e do bem estar das populações do vale do Tâmega contra as políticas de ataque e destruição dos direitos das populações e de cerco e de subjugação do desenvolvimento e do futuro da região do Tâmega. Tais medidas foram impostas pelos sucessivos governos, sempre apoiadas e coordenadas com os autarcas locais a troco de promessas e contrapartidas e tiveram a ajuda de todos os partidos do sistema. Estes optaram pelo silêncio e recusaram dar apoio e solidariedade às lutas que as populações têm travado. Até a comunicação social local se vergou ao sistema.
A política de terra queimada, de abandono e isolamento tinha, afinal, um objectivo: impedir o desenvolvimento harmonioso e integrado para impor o rumo dos interesses e dos negócios das celuloses, dos lixos, das barragens e de outros negócios que se seguirão. Destruiu-se o património, a paisagem, o ecossistema, pôs-se em causa e em risco a saúde pública e destruiu-se a qualidade de vida das populações. Chegou-se ao ponto de as autarquias aprovarem e imporem a instação do aterro sanitário de Codeçoso em cima das populações, transformando-lhes a vida num pesadelo com cheiros insuportáveis e invasão de insectos para além dos riscos que as populações hoje correm com a poluição das águas subterrâneas e do rio Tâmega.
À resistência do povo contra o encerramento da linha do Tâmega, contra os eucaliptos e contra o aterro impôs-se um poder autárquico mesquinho e cada vez mais agressivo e autoritário que colocou a região debaixo do cerco e do medo. O processo da linha do Tâmega é o melhor exemplo para se perceber que os governos apostaram tudo no sucesso dessas políticas. A primeira constatação e coincidência é o facto de o protocolo assinado com as autarquias em 1985 ocorrer quando estavam no governo em coligação os dois partidos PS e PSD. Neste protocolo as autarquias assinaram o encerramento da linha em troca da construção da variante do Tâmega. Mas em 1988, quando o povo percebeu o que estavam a cozinhar nas suas costas, levantou-se em protesto em defesa da linha e foi o que se viu: as mesmas autarquias com a maior arrogância assinaram o acordo de Braga sentenciando o encerramento da linha com a curiosidade de não reivindicarem a variante do Tâmega e ignorarem as vozes que se levantaram dizendo que a linha poderia ser a galinha dos ovos de ouro da região até por ser a única linha de potencial turístico reconhecido e com projecto de viabilidade económica.
A construção da barragem do Torrão que, à época, foi anunciada como uma mais-valia para o turismo de Amarante, é hoje um desastre ambiental de larga escala e um risco para a saúde pública: as águas do rio Tâmega estão podres e pestilentas, interditas a banhos e ao uso doméstico. É uma situação desoladora para quem vive ou visita Amarante. 100 metros para Sul o cenário é muito pior pois à superfície existe um tapete verde onde nem os barcos rompem. Esta é uma realidade que já vem dos anos noventa e até hoje não vimos ninguém, autarcas ou governantes, atacar o problema para proteger e defender a saúde pública.
Quanto à barragem de Fridão o PCTP/MRPP esclarece que a sua posição é contra o abuso e o mau aproveitamento dos recursos, não contra as barragens de uma forma geral. Há princípios e valores que o Partido preza e defende e dos quais não abdica como são a segurança das populações, a saúde pública e a qualidade de vida. A barragem de Fridão fere e põe em causa todos estes princípios, por isso o nosso partido diz não à sua construção e o governo deve explicar porque toma esta decisão sabendo que há vinte anos o estudo de impacto ambiental inviabilizava a construção de barragens no rio Tâmega em virtude da sensibilidade à acção sísmica.
O PCTP/MRPP questiona o que acontecerá à cidade de Amarante em caso de acidente com a barragem de Fridão;  lembra que ela vai ficar situada a 6 Km de Amarante com uma parede de 110 m de altura retendo as águas do rio. Porque o rio Tâmega para montante de Amarante já apresenta um grau considerável de poluição perguntamos que saúde e que qualidade de vida vão ter as populações ribeirinhas como, por exemplo, Mondim de Basto que vai ficar quase cercado de água. Será que não basta o exemplo do efeito da poluição na albufeira do Torrão, mas que não cerca nem coloca as populações com esse grau de risco?
O PCTP/MRPP lembra que sobre o assunto exigiu em Outubro do ano passado a realização de debates para esclarecimento das populações dos problemas e das consequências com que se vão confrontar. O resultado foi que só o presidente da junta de freguesia de Fridão e o deputado da assembleia municipal de Amarante, Dr. José Queirós, ousaram tomar posição pública contra a barragem. O poder autarquico na região de Basto simplesmente ignorou e silenciou o assunto e, em Amarante, o autarca Armindo Abreu impõe na assembleia municipal o seu comportamento insultuoso e agressivo sempre que alguém se atreve a levar o assunto à assembleia que foi o que aconteceu com o deputado Dr. José Queirós e com o porta-voz da COAGRET Pedro Couteiro. Quanto aos partidos do sistema continuam em silêncio com a excepção do Bloco de Esquerda que faz jogo duplo: na assembleia municipal presta vassalagem ao autarca Armindo Abreu e para enganar o povo vai colocando uns painéis sempre que o nosso partido toma posição.
O PCTP/MRPP denuncia que foram estas políticas que provocaram os problemas e os flagelos com que hoje se confronta a região do Tâmega como, por exemplo, a pobreza extrema e a depressão reconhecida em estudos insuspeitos que a apontam como a região mais pobre da Europa. 
Esta é a posição que o PCTP/MRPP tomou na conferência de imprensa do passado dia 23 de Agosto em frente à antiga estação do caminho de ferro de Mondim de Basto, à qual nenhum órgão da comunicação social nacional e local compareceu. 
CONTRA A CENSURA!
ERGAMOS A LUTA EM DEFESA DA SEGURANÇA, DA SAÚDE E DA QUALIDADE DE VIDA DAS POPULAÇÕES!
(...)


publicado por Gerês às 22:49
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Sábado, 8 de Dezembro de 2007
Viva o MRPP!

Caros camaradas, caros amigos do Partido, saudando em particular os que acabaram de nos acompanhar — ou, muitas vezes, nós a eles — numa importante e enriquecedora batalha política que foram as eleições para a câmara de Lisboa.

Estamos aqui, hoje, para assinalar mais um aniversário da fundação do MRPP numa situação política em que precisamos de nos valer de muito do património legado pelo MRPP.

O aparecimento do MRPP, em 18 de Setembro de 1970, constituiu um marco indelével na história política do nosso país e um decisivo contributo para o desenvolvimento do movimento popular, revolucionáio e comunista português e internacional: sob a direcção e orientação, desde a sua fundação, de um grande marxista — o camarada Arnaldo Matos — o MRPP afirmou-se logo como uma organização que rompia com o oportunismo e o revisionismo em todos os campos, destacando-se por uma combatividade e métodos de luta contra o regime fascista que cedo o levou a obter um crescente apoio, em primeiro lugar, dos jovens e, progressivamente, dos trabalhadores, e a ser apontado pela PIDE como o inimigo número um e, simultaneamente, odiado pelo PCP que via escapar à sua influência oportunista o sector mais esclarecido e avançado que era a juventude.

Falar no MRPP é falar, também e antes de tudo, na memória do primeiro mártir marxista-leninista que foi Ribeiro Santos — cujo 35º aniversário do seu assassinato pelos esbirros da PIDE ocorre no próximo dia 12 de Outubro —, é falar numa linha política e numa táctica e prática revolucionárias, é falar numa alteração radical da luta contra a guerra colonial, apelando à transformação dessa guerra numa guerra civil revolucionária e à deserção e, já depois do 25 de Abril, à recusa dos soldados ao embarque para as colónias.

No período que se sucedeu ao 25 de Abril — saudado pelos oportunistas como a revolução libetadora do povo português — no meio de uma miríade de organizações que se proclamavam de marxistas, e que aqui desembarcavam vindas de Paris, o MRPP assumiu sempre, ainda que em minoria, o destacado papel de não alinhar nas ilusões acerca do regime político emergente e de travar uma luta sem tréguas contra o golpe social-fascista desencadeado pelo PCP com vista a impor uma ditadura ainda mais sanguinária do qu a ditadura que acabara de cair.

E que o digam as centenas de militantes e simpatizantes do MRPP que foram presos e torturados nas prisões do COPCON/PCP.

Mas, apesar de fustigado, perseguido, caluniado — hoje a D. Zita Seabra já não acha que as pinturas do MRPP ou a sua acção política, que ela também terá experimentado no corpo, eram obra da CIA —, o MRPP continuou e continua ainda a ser o ausente sempre presente a respeito de tudo o que de mais importante ocorreu na história da luta política em Portugal.

O que, talvez agora, importa reter do património político e ideológico que herdámos do MRPP deve ser sem dúvida a posição de, sejam quais forem as dificuldades e adversidades, não ceder ao oportunismo, não vender os princípios, não dobrar a cerviz em troco de mordomias e migalhas do poder, não capitular perante a demagogia, não enterrar a ideologia marxista para conquistar lugares no parlamento.

Hoje estamos de novo postos à prova para, contra o pântano do oportunismo, dar voz e corpo à revolta dos explorados que nada têm a perder e dos oprimidos e esmagados pela política deste governo.

O governo do PS/PSD/Cavaco Silva, dirigido pelo engenheiro Sócrates — que ainda está por esclarecer se é mesmo engenheiro ou não — é um governo de pilantras, repressivo e autoritário, apostado em transformar definitivamente o país num paraíso para os grandes monopólios, usando de forma ditatorial da maioria absoluta de que dispõe e contando com a cumplicidade confrangedora de uma falsa oposição parlamentar.

Invocando a necessidade de reformas — na verdade para assegurar o bem-estar dos capitalistas, em particular do grande capital financeiro — o governo de Sócrates desencadeou um ataque de grande envergadura contra os trabalhadores e, em nenhum dos sectores que se vangloria de reformar, como os da saúde, educação ou justiça, os cidadãos sentiram a mínima melhoria. Pelo contrário, o que verificam é que o invicado aumento da receita fiscal, ou seja, o auemto da cobrança dos impostos não é utilizado para melhorar aqueles serviços públicos tornando-os gratuitos e garantes de uma melhor qualidade de vida, mas para mostrar aos patrões de Berlim e Bruxelas que são bem mandados. Aqui o que o governo tem antes em vista é precisamente o inverso: é privatizar o que resta desses serviços públicos fundamentais.

O governo de José Sócrates, ao mesmo tempo que faz o pino para escamotear o inevitável insucesso das suas medidas no campo do desemprego — em lugar de baixar, o desemprego tem subido, mesmo com malabarismos do tipo de não contabilizar os 45.000 professores não contratados, quer como professores (a ministra fala no primeiro emprego), quer como desempregados, porque, afinal, muitos deles nem sequer estavam inscritos nos centros de emprego e estariam considerados proessores a agguardar o concurso... Mas, ao mesmo tempo que assim actua, o governo Sócrates não consegue disfarçar a sua intenção de reduzir a pó os mais elementares direitos de cidadania, instaurando um ambiente de medo e bufaria para abafar os protestos ou reclamações dos cidadãos.

Transformar o estado e o governo num polícia permanente que vigia e controla 24 horas o cidadão é o desejo de Sócrates e de um governo "socialista".

(...)

Mas não podemos deixar de denunciar o papel da nossa imprensa em tudo isto. calados pelo medo, pela intimidação ou pelo dinheiro, os nossos jornalistas têm dado uma cobertura vergonhosa às fanfarronadas e encenações do primeiro-ministro e do governo quando este visa com elas cobrir a realidade crua da vida dos cidadãos.

Caros camaradas e amigos, temos muitas batalhas pela frente.

O que acima de tudo é importante é não ajoelhar e fazer uma marcação cerrada e em todos os campos à actuação do governo do PS que, se em alguma coisa se pode distinguir do do PSD de Barroso e Santana Lopes, é que se tem mostrado ainda mais activo e engenhoso na liquidação progressiva dos direitos e liberdades dos trabalhadores e dos cidadãos em geral, e da independência nacional.

A luta é dura mas nós não vergamos!

Viva o MRPP!

Viva o PCTP! 

 



publicado por Gerês às 17:43
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Sexta-feira, 2 de Novembro de 2007
O ESTADO DE DIREITO DEMOCRÁTICO DEIXOU DE EXISTIR

ou

REQUIEM PELA CIDADANIA

 

 

 

Primeiro, levaram os judeus.

   Mas não falei, por não ser judeu.

 

  Depois, perseguiram os comunistas.

  Nada disse então, por não ser comunista.

 

  Em seguida, castigaram os sindicalistas.

  Decidi não falar, por não ser sindicalista.

 

  Mais tarde, foi a vez dos católicos.

  Também me calei, por ser protestante.

 

  Então, um dia, vieram buscar-me.

  Mas, por essa altura, já não restava nenhuma voz

  Que, em meu nome, se fizesse ouvir.”

 

Este belo poema de Martin Niemöller, pastor protestante anti-nazi, constitui uma excelente introdução ao tema que quero aqui abordar e que eu sintetizaria da forma seguinte:

O Estado de direito democrático chegou ao fim !”

Com efeito, o regime democrático e o Estado de direito estabelecidos com o 25 de Abril deram a alma ao criador, e o que temos hoje é a instalação crescente, que começou de forma larvar e hoje se faz de modo cada vez mais evidente e alargado, de um verdadeiro proto-fascismo, que liquidou a Democracia e a transformou numa mera fachada, cada vez mais decrépita.

A verdade absolutamente lamentável, meus Exmºs Colegas, é que ninguém, ou quase ninguém, se apercebeu como a Justiça, de Código em Código, de reforma legislativa em reforma legislativa, foi evoluindo no sentido de ir liquidando a Democracia (como é exemplo o Processo Penal, que com as reformas, em larga medida adoptadas pelos diversos Governos, e em particular sob a batuta do ex-Procurador Geral da República Cunha Rodrigues, tem hoje uma lei pior que o Código do fascismo de 1929).

O sector da Justiça foi assim derivando, derivando – com excepção porventura da reforma das leis Administrativas, consubstanciada no tríptico do Código do Procedimento Administrativo (que aliás hoje se quer liquidar), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e do Código dos Tribunais Administrativos e, enfim, da Lei sobre a responsabilidade extra-contratual do Estado (que nunca mais é publicada) – o sector da Justiça foi derivando sucessivamente, dizia, até atingirmos o ponto-chave de extrema gravidade em que nos encontramos hoje, em particular no nosso Processo Penal do Século XXI, que mais parece do Século XI.

Na verdade, em tal processo penal torna-se hoje evidente, e cada vez mais, aquilo que há muito tempo muito poucas vozes, mas ainda assim algumas vozes, vinham denunciando, ou seja, um Ministério Público completamente incapaz de perseguir a verdade, apenas obcecado na afirmação e consolidação do seu próprio Poder e com uma absoluta e gritante incapacidade para travar com êxito a luta – de que tanto gosta de se arvorar em campeão – contra a criminalidade mais poderosa.

Violações absolutamente cirúrgicas do segredo de Justiça que só podem ter sido cometidas pela acusação pública; grupos de Jornalistas ex-assessores, ou futuros assessores do Poder e/ou adstritos a cada uma das forças policiais (PSP, GNR e PJ), que estão hoje claramente comprados por estas forças (mesmo que a gente não os veja a passar o recibo) e ao serviço delas; instituída, praticada e cada vez mais implementada a possibilidade de se lincharem, de forma tão irremediável quanto verdadeiramente impune, cidadãos incómodos – eis o ponto absolutamente lastimável a que nós chegámos neste campo. E tudo isto com a complacência cúmplice do próprio Presidente da República.

Sim, meus Exmºs Colegas: O Dr. Jorge Sampaio – que aliás promulgou todas e cada uma das fascizantes alterações legislativas do Processo Penal – quando viu que havia processos judiciais que estavam a ser utilizados para, numa primeira altura, eliminar o então Director Geral da Polícia Judiciária e, já num outro momento e com outro Governo, liquidar o então líder do principal Partido da oposição, deveria ou não ter intervindo imediatamente, tomando medidas e demitindo o Procurador Geral da República ? É óbvio que deveria ! Não o tendo feito, e a partir daí, as instituições, todas as instituições, passaram a estar em perigo !

Ora, nós não quisemos ou não pudemos reflectir adequadamente sobre esses dois casos, nem soubemos extrair deles as adequadas lições, e os resultados disso mesmo estão agora à vista.

É assim que assistimos também a uma cada vez maior autonomia, a um crescendo de poder e de arrogância, e presentemente à autêntica “roda livre” das polícias e dos Serviços de Informação neste país, sem qualquer espécie de fiscalização ou de controle, desde logo parlamentar (para além de que o próprio IGAI está há largos meses sem Inspector-Geral).

Mas, se se chegou aqui foi precisamente porque, sempre em nome da “segurança”, se promoveu e se permitiu o desenvolvimento, primeiro de forma larvar e depois, de modo cada vez mais evidente, de novas polícias políticas, a actuarem, a crescerem, a cruzarem-se e a coordenarem-se entre si, a centralizarem-se e a organizarem ficheiros e bases de dados e mesmo a levarem a cabo operações secretas, sem nenhuma espécie de fiscalização, no Parlamento e fora dele.

É preciso assim dizer com todas as letras que estamos hoje e aqui perante autênticas sociedades secretas, que controlam cada vez mais, que fazem escutas, que têm contacto com os indivíduos mais ignóbeis (como o espião sul-africano Peter Groenwald, procurado em diversos países pelo assassinato a sangue frio de vários elementos do ANC e que se safou impune em Portugal por confessadamente colaborar com o SIS na realização de escutas telefónicas ilegais) e que, no silêncio da impunidade e na escuridão da falta de controle democrático, vigiam, espiam, manejam, manipulam e assassinam civicamente, com balas (leia-se, jornais e televisões) bem mais eficazes do que aquelas que mataram John Kennedy !...

E se uns são responsáveis directos, pois que consciente e organizadamente puseram de pé e consolidaram estes instrumentos de poder e de repressão, outros ou são também directamente responsáveis (pois aprovaram de cruz todas e cada uma das medidas nessa área) ou são irremediavelmente obtusos por pensarem que a repressão é boa desde que sejam eles a controlá-la e ainda por julgarem que poderiam alguma vez controlar esta autêntica “orquestra negra” que se foi sucessivamente agrupando e montando nas nossas costas e que, após diversos ensaios mais ou menos silenciosos, iniciou já a ribombante interpretação final da marcha fúnebre da Liberdade e da Democracia !...

Ora,

Com polícias e serviços de informação que são assim hoje verdadeiras “sociedades secretas”, e, mais do que isso, verdadeiras centrais de conspiração negra, actuando em “roda livre”;

Com uma Justiça em que o princípio constitucional da presunção de inocência foi integralmente substituído pelo princípio pidesco da presunção de culpabilidade, em que os maiores e mais importantes poderes, a começar pelos do Ministério Público, são incontrolados e incontroláveis, em que predomina uma cultura anti-cívica de prepotência, de arrogância e de hostilidade para com os cidadãos e os seus Advogados (que são aliás os únicos para quem os prazos judiciais verdadeiramente existem e vigoram), em que as liberdades e direitos democráticos foram na sua essência liquidados e aniquilados, e que hoje constitui antes um instrumento privilegiado para operações cirúrgicas de assassinato cívico de adversários políticos;

Com um Presidente da República inteira e lastimavelmente implicado em cada um dos episódios desta situação;

Com tudo isto, o actual Governo, pela mão em particular do Ministro da Administração Interna (mas verdadeiramente também da      Justiça …) António Costa, depois – recorde-se – da tentativa da criação de Magistrados do Ministério Público “a la carte” (acompanhando as operações policiais e de caneta em riste para, qual Copcon, logo ali assinar todos os convenientes mandatos de busca e detenção), prepara-se agora para, sempre sob o pretexto do combate à criminalidade e do reforço da segurança, liquidar o já pouco que resta dos direitos, liberdades e garantias, aprovando novas leis sobre as escutas (quando Portugal já é dos países europeus em que estas mais e pior são utilizadas) sobre as medidas de coação, em particular a prisão preventiva (quando o nosso País já se caracteriza por ser dos que mais altas taxas de presos preventivos apresenta), e sobre os poderes do Juiz de instrução (quando esta fase processual está hoje reduzida a uma autêntica farsa – farsa, é esse o termo exacto ! – designadamente nela não se podendo repetir as diligências (mal) feitas pelo Ministério Público na fase de inquérito e podendo o Juiz, por meio de despacho irrecorrível, indeferir todas as diligências requeridas quer pela defesa quer pela acusação particular).

Entretanto, sempre em nome da “celeridade”, da “eficácia” e do “combate à criminalidade” (com o crescendo do erro mas sobretudo da arrogância que daí necessariamente decorrerá), do mesmo passo que se mantém essa outra farsa anti-cidadão e anti-Advogado que é o segredo de Justiça, corta-se nos recursos, corta-se na intervenção dos Advogados (apresentados outra vez e cada vez mais como indesejáveis escolhos e obstáculos a suprimir na realização da Justiça), instalam-se triunfantemente câmaras de vídeo-vigilância por toda a parte, campeiam os bancos de dados (das seguradoras e instituições bancárias aos órgãos da Comunicação Social) inteiramente fora da lei e de qualquer controle democrático, ao mesmo tempo que se “normaliza” a impunidade das tais violações cirúrgicas do segredo de Justiça.

As decisões judiciais (que, sob o mesmo tipo de argumentos, melhor, de pretextos, têm cada vez menos de ser devidamente fundamentadas e são cada vez mais irrecorríveis) impõem-se cada vez menos ao respeito da comunidade – e este é, aliás, um problema muito sério de legitimidade do Poder Judicial em que ninguém parece querer reflectir a tempo.

O balanço das investigações do Ministério Público em matéria do combate à verdadeira criminalidade organizada (da corrupção aos grandes negócios, da saúde, das armas e da droga) é inteiramente negativo e em absoluto desastroso, mas ninguém faz esse balanço, nem ninguém exige que ele seja feito, enquanto as mais mediáticas figuras da dita corporação permanentemente se auto-elogiam, sempre em tribunas onde esteja antecipadamente garantido que o verdadeiro contraditório – que tanto odeiam – não exista !

Em nome das mais aberrantes teorias (como a de que a nulidade da insuficiência do inquérito só se verifica com a omissão de diligências legalmente obrigatórias) ou soluções (como a de que em caso de arquivamento de crime público falece legitimidade ao queixoso para requerer a abertura de instrução) permite-se que o Ministério Público desenvolva, ou não, a acção penal se, como e quando quer, sem que nenhum controle, muito menos democrático, exista relativamente a tal conduta e a tal “princípio da oportunidade”, fazendo assim com que os direitos dos cidadãos, sejam eles vítimas ou queixosos, fiquem completa, impune e “legalmente” denegados e aniquilados.

Institucionaliza-se e normaliza-se sem protesto a prática – prática essa, além de ilegal e inconstitucional, também cobarde e oportunista, precisamente por visar obter “fora do campo” (isto é, através do linchamento público na Comunicação Social) aquilo que por inépcia ou incompetência não se é capaz de obter “dentro do campo” (ou seja, com investigações eficazes e competentes) – de, em particular com as chamadas “figuras públicas”, efectuar detenções (para as quais aliás logo se convocam as televisões, as rádios e jornais) para prestar declarações relativamente a pessoas que até aí nunca incumpriram qualquer dos seus deveres processuais.

Sempre em nome da “segurança”, aceita-se como “normal” a existência de interrogatórios policiais ditos “informais” e sem a presença do defensor do arguido, que depois aparece física e moralmente agredido mas sempre com a eterna explicação de que “se atirou pela escada abaixo”, etc., etc., etc..

E, pelos vistos, o próprio Tribunal Constitucional dá agora o sinal dos tempos ao abrandar no escrúpulo e no rigor na apreciação do controle pelo Juiz de Instrução das escutas feitas pela polícia.

Embalados nesta lógica paranóico-securitária, nem nos apercebemos que depois de tudo isso, a Justiça não está nem mais rápida, nem mais eficaz, mas está, isso sim, e estará, cada vez mais injusta ! Que a criminalidade – porque não atacada nas suas verdadeiras causas – não só não diminui como se mantém e até multiplica. Mas que, em contrapartida, as margens do arbítrio, do abuso e do desrespeito pela pessoa humana crescem a níveis incomportáveis e incontroláveis.

O chamado “Estado de direito democrático” bateu assim no fundo e não passa já, em muitos dos seus aspectos, de uma mera  formalidade !

E onde estão, perante tudo isto, os Advogados e a sua Ordem ? Perderam em definitivo a capacidade de pensar livremente e a capacidade de se indignarem ? Escolheram de vez deixar-se abater pelo desânimo e pelo perorar acerca dos seus auto-apregoados “realismo” e “sensatez” ? Preferiram, como alguns, do alto da sua arrogante e emproada indiferença logo apressadamente qualificar de indesejável “gritaria” – com a qual obviamente não se deixam  misturar … – os veementes e indignados protestos de cidadãos, e mesmo de Colegas nossos, e o atirar a pedrada no charco que a podridão daquilo que nos cerca mais do que justifica ?

Onde, meus Queridos Colegas, estão afinal os Advogados para quem a subserviência e a covardia são e serão sempre o nosso pior defeito cívico e deontológico, para quem os fins não justificam os meios, para quem uma mentira mil vezes repetida não se transforma em verdade e para quem o princípio da presunção de inocência não pode ser substituído pelo princípio da presunção de culpa ?

É que se ninguém faz nada, e como estamos todos no mesmo esburacado e destruído barco do chamado “Estado de direito democrático”, ele afundar-se-á irremediavelmente !

Será então que nos vamos deixar afundar ? Será que nos vamos  calar ? Será que vamos pôr o joelho em terra neste combate ?

Por mim, respondo desde já: Não, Não vou por aí ! E creio que todos, ou praticamente todos, responderemos também desse modo.

Temos de estar à altura deste desafio !

Que é afinal o desafio de sabermos cumprir com aquele que é porventura o mais elevado dos nossos deveres para com a comunidade – o de protestarmos contra as violações dos direitos humanos e de combatermos as arbitrariedades de que tivermos conhecimento no exercício da nossa profissão.

É inevitável que nos venha à memória o vulto, enorme, do nosso Bastonário Ângelo d’Almeida Ribeiro, que sempre nos ensinou tal lição.

Basta, pois, de prudências, comedimentos e silêncios tão “tácticos” e “realistas” quanto oportunistas e ensurdecedores !

E, até por isso mesmo, creio que deve sair deste Congresso uma mensagem, uma mensagem muito clara para o Poder, para todos os Poderes que anseiam e se caracterizam pelo arbítrio, pela prepotência e pela injustiça.

A mensagem que a toga que envergamos e de que justamente nos orgulhamos nos impõe, e que é esta:

“Não ! A nós, Advogados livres e ciosos de defendermos os princípios do Estado de direito e os direitos, liberdades e garantias dos nossos concidadãos, não nos calarão nunca !”

CONCLUSÕES

1. O Estado de direito democrático instituído com o 25 de Abril de 1974 chegou ao fim e o que temos hoje é a instalação crescente de um verdadeiro proto-fascismo, denegador dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.

2. De reforma em reforma, a Justiça foi assim derivando sucessivamente no sentido de ir liquidando a Democracia, como é o triste mas significativo caso do Processo Penal.

3. O ponto a que hoje se chegou é o de uma Justiça Penal caracterizada por cirúrgicas e sempre impunes violações do segredo de Justiça, pela substituição da presunção constitucional de inocência pelo princípio pidesco da presunção de culpa, por um MºPº com poderes em absoluto incontrolados e incontroláveis, pela redução da instrução a uma autêntica farsa e pela lógica do afastamento dos Advogados do próprio processo.

4. Mas também por polícias e serviços de informação sem qualquer controle e em autêntica roda livre e aptos a praticarem verdadeiras operações de “assassinato cívico” de cidadãos incómodos.

5. O balanço das investigações do MºPº em matéria de combate à criminalidade organizada é profundamente negativo mas, dentro do clima geral de irresponsabilidade, esse balanço nunca é feito e muito menos objecto da devida análise e discussão.

6. Sempre invocando a “celeridade” e a “eficácia”, mas dentro de uma lógica securitária, corta-se nos recursos, na intervenção dos Advogados, na necessidade de fundamentação das decisões, aceitam-se como normais práticas como as dos “interrogatórios informais sem advogado” e teorias como a da real irresponsabilidade de controle jurisdicional relativamente à actuação do MºPº.

7. Mas, com tudo isso, ninguém repara que, no fim, a Justiça não está nem mais eficaz nem mais célere, mas está seguramente mais injusta.

8. Esta situação de grave destruição dos princípios mais basilares do Estado de direito democrático exige que os Advogados, cumprindo o seu mais elementar dever deontológico e mostrando-se dignos da toga que envergam, denunciem este estado de coisas e partam em luta pela sua modificação, através da defesa da alteração imediata das diversas soluções legais, bem como das práticas policiescas e securitárias.



publicado por Gerês às 18:49
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Segunda-feira, 17 de Setembro de 2007
BREVES REFLEXÕES SOBRE O ESTADO PRESENTE DO PROCESSO PENAL EM PORTUGAL

É preciso, antes de mais compreender que o Estado e os seus órgãos terão tanta mais legitimidade – e só assim a terão – para exercerem a acção penal e para exercitarem o poder punitivo quanto mais respeitadores dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos se mostrarem e quanto mais as suas decisões se impuserem ao respeito da comunidade e foram compreensíveis para o Povo. No qual, recorde-se, é que reside a Soberania, e cujo Poder os diversos órgãos, entre os quais os Tribunais, exercem em nome daquele.

 

Quem não compreender que isso assim é e persista em, sempre sob a invocação da “celeridade” e da “eficácia”, consagrar soluções que vão no sentido oposto, errará sempre. Mas quem insista em não compreender ou, pior, em não querer compreender isso, tornar-se-á cúmplice do processo de sucessiva descredibilização e deslegitimação da própria Justiça Penal.

 

Por outro lado, é preciso reflectir também sobre a verdadeira razão por que mecanismos e soluções que já hoje claramente resultam da lei ordinária ou decorrem da Constituição da República (tais como os de que a fixação de medidas de coação, maxime da prisão preventiva, deve sempre estribar-se na invocação de factos concretos; que a constituição de arguido deve fazer-se apenas quanto a pessoas em relação às quais haja fundadas suspeitas da prática de um crime; que todo o cidadão, seja ele arguido, assistente ou testemunha, tem o direito de se fazer acompanhar por Advogado em qualquer diligência; que a detenção para interrogatório só é possível nos casos em que o sujeito processual em causa não tenha cumprido ou, no máximo, haja fundadas suspeitas de que o sujeito processual em causa não iria cumprir com o dever legal de comparência), a quotidiana praxis judiciária continuamente denega e aniquila.

 

Por fim, também importará reflectir por que é que, verificando-se – como se verifica neste III Congresso Nacional de Processo Penal – uma quase unanimidade de opiniões sobre todo um conjunto de pontos e aspectos que urge modificar na lei (por exemplo no tocante à disciplina das escutas telefónicas), não se mostra depois possível impor a consagração legislativa dessas mesmas soluções.

 

A resposta é a de que o Processo Penal está hoje transformado em Portugal num campo por excelência de exercício do Poder e de poderes, e que os interesses instalados à sombra desses poderes não se mostram dispostos a abdicar dos privilégios e da posição de superioridade que deles decorrem.

 

Na verdade, para esse tipo de interesses e de concepções, o Advogado é um empecilho à boa administração da Justiça, os fins afinal justificam os meios e é legítimo procurar ganhar na secretaria aquilo que se não consegue “ganhar em campo”, tudo isto sob a capa de justificações (como a da “quem não deve não teme”) absolutamente fascizantes e legitimadoras da expropriação dos direitos e garantias constitucionais que constituem a matriz de um verdadeiro Estado de direito democrático.

 

É por isso que o Processo Penal está hoje transformado num instrumento privilegiado de homicídios de carácter e de assassinato cívico de cidadãos incómodos, em que o princípio constitucional de presunção de inocência foi na prática liquidado e substituído por um omnipresente princípio da presunção de culpa, e em que, através de sempre cirúrgicas e sempre impunes violações do segredo de Justiça, se vulgarizou a lógica dos linchamentos públicos.

 

É preciso assim dizer com toda a clareza que – ao contrário do “optimismo” bacoco dos discursos do regime – algo de extremamente negativo vai no reino do Processo Penal em Portugal e que o chamado “Pacto para a Justiça” não toca no essencial do que está errado neste campo.

 

Os Advogados, quer dos arguidos quer dos Assistentes, foram autenticamente expulsos do Processo penal e assim permanecem, não obstante a consagração constitucional do direito à assistência por Advogado perante qualquer autoridade.

 

10º A fase do inquérito continua a caracterizar-se pelo permanente e generalizado incumprimento pelo MºPº dos prazos da sua duração, e pela total ausência de balanços e completa irresponsabilidade em matéria de investigação criminal; pela absoluta insindicabilidade do poder de arquivamento por parte do MºPº [de todo quanto aos crimes públicos, mas também quanto aos crimes particular e semi-públicos, com base na tristemente célebre teoria de que só a omissão das diligências obrigatórias por lei é que geraria a nulidade da insuficiência do inquérito, pelo que, quando o MºPº nada faz nem nada promove durante o inquérito, o assistente não pode deduzir um requerimento de abertura de instrução com os mesmos elementos de uma acusação (pois que o MºPº nada fez para os obter) e a nulidade de um tal inquérito também nunca é declarada]; pela inexistência de um adequado controle de recurso às escutas telefónicas (em Portugal escuta-se mais do que em qualquer outro país da Europa) e, também, da sua destruição (pois que nenhum Juiz de Instrução pode garantir que tal destruição é mesmo efectivada sem ir alimentar quaisquer bancos de dados).

 

11º Por outro lado, a instrução está hoje reduzida em larga medida a – não hesitemos em dizê-lo – uma mera formalidade senão mesmo autêntica farsa, de todo não permitindo superar ou corrigir os vícios de que padece o inquérito. Assim:

a) Todas, sem excepção, as diligências de prova requeridas podem ser indeferidas por despacho, que é irrecorrível;

b) A tentativa de, por exemplo, reinquirir uma testemunha que não foi correctamente inquirida pelo MºP em fase de inquérito esbarrará invariavelmente na invocação de que as diligências de prova de tal fase não podem ser repetidas em instrução;

c) As poucas diligências que eventualmente sejam deferidas podem ser realizadas com exclusão do sujeito processual que as requereu e até do Advogado desse mesmo sujeito processual inclusive quando é o arguido a fazê-lo e não obstante a lei consagrar o direito deste a estar presente em todos os actos processuais que pessoalmente lhe dizem respeito;

d) Pode haver debate instrutório sem ter havido qualquer diligência de prova e a decisão instrutória do Juiz de instrução pode consistir numa simples remissão para a acusação do MºPº.

 

12º A tudo quanto antecede, acrescente-se o sucessivo aligeiramento (agora também consagrado ao nível do Tribunal Constitucional) no rigor quanto ao controle pelo Juiz de Instrução das escutas executadas pela Polícia, o avançar de teorias como a da distinção entre provas proibidas por lei e invalidades (até eventualmente sanáveis) na obtenção da prova, o sistema da lista taxativa de nulidades e do apertadíssimo regime das meras irregularidades, os novos regimes das buscas domiciliárias, a inexistência de um verdadeiro duplo grau de jurisdição em matéria de facto chacinado por aquilo que de forma feliz, já se denominou de “rebeldia das Relações” (sob pretextos como o de que, não obstante a gravação de a transcrição da prova, falta a mediação da mesma) e a anunciada intenção de restrição, ainda maior, das possibilidades de recurso que decorrerá da projectada e já anunciada alteração do CPP.

 

13º A tudo isto se some ainda uma quotidiana prática judiciária tantas vezes denegadora de que o Juiz de Instrução deve ser o garante dos direitos, liberdades e garantias e não um qualquer justiceiro e assente numa lógica de permanente inclinação para o desrespeito por esses direitos e liberdades (de que são exemplo a tentativa de apresentar o exercício do direito dos arguidos ao silêncio como uma “recusa em prestar declarações” ou a arguição de invalidade por falta de adequada fundamentação das decisões ou o recurso contra decisões tidas por injustas ou ilegais como um exemplo de criticáveis práticas dilatórias).

 

14º Tudo isto levanta também, e de forma bem evidente, a necessidade de se alterar profundamente toda a formação dos nossos magistrados e também das polícias, bem como a dos próprios Advogados, deixando de privilegiar a vertente puramente técnico-formal e passando a incorporar, necessária e relevantissimamente, a vertente cívica e de cidadania.

 

15º Uma Justiça Penal sem Advogados, com manifesta desigualdade de armas entre a acusação e a defesa, sem mecanismo adequados de defesa e controle da legalidade dos diversos actos e decisões, sem verdadeiros recursos quer de direito quer de facto, não será célere mas sim celerada, não produzirá decisões justas mas antes decisões cada vez mais injustas. Não se imporá ao respeito da comunidade, antes deslegitimará, e cada vez mais, a própria Justiça.

E questões de Educação, de Saúde ou Habitação geraram frequentemente ao longo da História queixumes e reclamações. Mas a generalização de sentimentos de Injustiça gerou rebeliões e revoluções.

 

16º E não pensemos que toda esta problemática não nos diz respeito e que estas questões só se colocam aos outros.

É que não podemos deixar que aconteça que, como refere o belo poema de Martin Niemöller, pastor protestante anti-nazi,

“Primeiro, levaram os judeus.

Mas não falei por não ser judeu.

Depois, perseguiram os comunistas.

Nada disse então, por não ser comunista.

Em seguida, castigaram os sindicalistas.

Decidi não falar, por não ser sindicalista.

Mais tarde, foi a vez dos católicos.

Também me calei, por ser protestante.

Então, um dia, vieram buscar-me.

Mas, por essa altura, já não restava nenhuma voz

Que, em meu nome, se fizesse ouvir.”



publicado por Gerês às 21:40
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Terça-feira, 27 de Março de 2007
ARNALDO MATOS NO COLÓQUIO SOBRE O ABORTO

Caros camaradas, eu desejo em primeiro lugar apresentar uma palavra de saudação aos amigos que comigo compartilham esta mesa.

 

Em primeiro lugar ao padre Mário - a quem há muito tempo não via - e que me apraz saudar por se manter sempre fiel aos seus princípios e combativo como o conheci no primeiro dia, já lá vão quase quarenta anos. Ao professor Pinto da Costa, porque é um homem que não verga na defesa dos seus princípios e que está sempre pronto a desembainhar a sua arma para lutar por todas as causas que lhe parecem justas. E ao professor Justo, porque o seu nome diz tudo.

 

Parece que a única pessoa que está aqui a mais sou eu. Veremos se é verdade ou não.

 

SOU CONTRA O ABORTO E VOTO SIM

 

Eu sou contra o aborto... e voto sim.

Eu sou contra a despenalização... e voto sim.

Eu sou contra a pergunta do referendo... e voto sim.

Eu sou contra o referendo... e voto sim.

 

Parece-me que o que nos une nesta mesa é o sim; mais nada temos em comum.

 

Sou contra o aborto e voto sim.

 

Quando é que estas coisas aparecem?

 

No fim do século XVIII, um sacerdote anglicano chamado Robert Malthus publicou um livro que fez história e que se chamava - em português, claro - «O Princípio da População».

 

Dizia Malthus que estávamos perante uma catástrofe a nível mundial. É que a agricultura e os alimentos aumentavam segundo uma progressão aritmética, enquanto que a população crescia segundo uma progressão geométrica.

 

Admitindo que os meus amigos não são versados em grandes matemáticas, uma progressão é uma sucessão de números em que um dos factores depende do anterior, sempre segundo o mesmo processo.

 

Uma progressão aritmética é aquela em que se soma ao número anterior uma constante. Por exemplo, é uma progressão aritmética, 2, 5, 8, 11, 14, porque somando a constante 3 ao número anterior obtém-se o número seguinte: dois e três, cinco; cinco e três, oito; oito e três, onze; onze e três, catorze.

 

A progressão geométrica é uma sucessão de números em que cada um dos números a determinar depende do anterior por um factor (é um produto). Assim, por exemplo, 2, 6, 18, 54 e 162 são uma progressão geométrica de razão 3: três vezes dois, seis; três vezes seis, dezoito; três vezes dezoito, cinquenta e quatro; três vezes cinquenta e quatro, cento e sessenta e dois.

 

A diferença está aqui. É que na progressão aritmética, em cinco factores, de dois passa-se para catorze - é como se se multiplicasse por sete; mas, na progressão geométrica, de dois passa-se para cento e sessenta e dois - é como se se multiplicasse por oitenta e um.

 

Quer dizer, a população cresce numa progressão geométrica, enquanto a alimentação e as comidas crescem numa progressão aritmética. Resultado? Há um momento em que morremos todos de fome.

 

Isto era a teoria do sacerdote inglês anglicano, Malthus. E dizia: temos que tomar medidas. E uma medida foi logo tomada: foi substituir o trigo pela batata. Quer dizer, o trigo não chegava para todos e, então, lançou-se a batata no mercado. Aí, os operários começaram a comer batatas - como se vê no belo quadro de Vicente van Gogh, que está no Museu de Haia, de uma família de tecelões holandeses, às escuras, a alimentar-se única e exclusivamente de batatas.

 

Ora, fazendo um pequeno fait-diver, até aí a batata não se comia. Tinha sido trazida da América, pelos portugueses e os espanhóis, e era até considerada um afrodisíaco, dado que tinha qualquer coisa de semelhante ao testículo, fosse qual fosse o animal em consideração… E então, passava por ser um afrodisíaco…

 

Os que leram Shakespeare sabem que em As Alegres Comadres de Windsor, numa das últimas cenas, Falstaff vai dançar com uma das comadres, que é a Missy Ford, cinge-a pela cintura, mete a sua barriga dentro das costelas da senhora, olha para o alto e diz: «Oh, que do céu chovam batatas!»… Era o «viagra» da altura...

 

Ora, Malthus conseguiu transformar este «viagra» - que era mais barato que o trigo - na comida do operário. Mas fez também outra coisa, pois era preciso tomar medidas contra o excesso da população. Então o que é propõe o sacerdote Malthus? Não propõe o aborto, porque isso era pouco e, além disso, podia pôr a mulher em risco. Propõe uma medida muito mais radical e muito mais eficaz - e, até se quiserem, mais saudável… - que era o infanticídio; nascia e matava-se à nascença… Eis, portanto, a proposta de solução que a burguesia tem para estas questões.

 

Até que, quase um século depois, aparece Marx e põe a nu toda esta teoria. E diz: o que o senhor está aí a confundir, aquilo que não percebeu ainda é que cada sistema económico tem a sua própria lei da população. O capitalismo também tem a sua própria lei da população. O que o senhor não consegue compreender (e o homem já tinha morrido, é claro) é que o que determina a acumulação nesta sociedade é a lei da tendência decrescente da taxa de lucro. Como os investimentos vão conduzindo a taxas de lucro cada vez mais baixas (taxas, e não montantes de lucro, cada vez mais baixas), há um momento em que uma parte do capital não é aplicada e uma parte da população não é utilizada. Esta é a lei da população do sistema capitalista.

 

E Marx dizia: isto não se resolve nem pelo aborto nem pelo infanticídio. Nada disto se resolve por essa maneira, mas por um outro princípio. E isso que vocês dizem que o operário deve matar à nascença é aquilo que nós temos que defender, porque sem ele não fazemos a revolução. Entre uma coisa e outra, eis as diferenças abismais.

 

UM EXCESSO APARENTE DE POPULAÇÂO

 

Bom, isto é base daquilo a que nós chamamos hoje o aborto. É que na nossa sociedade há um excesso aparente de população. Quer dizer, não há lugar para os nossos filhos, não há lugar para os filhos dos operários, não há lugar para os outros. Nem há dinheiro para mantê-los.

 

As pessoas podem avançar com os argumentos que quiserem, mas a razão pela qual recorrem ao desmancho é porque não podem manter o filho que vai nascer. Não haja dúvida quanto a isso.

 

Depois há questões particulares. Há umas senhoras que acham que aqui na barriga quem manda são elas; há outras pessoas que acham que, enfim, na verdade é preciso ter filhos, mas só quando a gente tiver quarenta anos, antes disso não pode ter… Mas tudo isto é para fugir a encarar de frente o verdadeiro problema político, social e económico.

 

Eis porque eu sou contra o aborto. Mas não sou contra o facto de as mulheres abortarem se quiserem. Já vamos chegar aí.

 

Portanto, sou contra o aborto e voto sim. Mas sou também contra a despenalização e voto sim.

 

NA PRÁTICA, A NOSSA SOCIEDADE NÃO PROÍBE O ABORTO

 

Porquê contra a despenalização? Porque o aborto agora tem que ser colocado numa base civilizacional. Quer dizer: o aborto não pode ser um crime. Não pode ser um crime!

 

Lá pelo facto de haver uma igreja católica que diz que o aborto é um crime, a sociedade não é obrigada a considerar o aborto um crime. Hoje, na nossa sociedade, mesmo considerando a maior parte dos católicos, ninguém considera que o aborto é um crime. Ninguém considera isso.

 

Então porque é que está no Código Penal que o aborto é um crime. Porque é que está lá? Creio que não devia estar lá nada, isto é, em matéria de aborto, zero (mas quanto ao infanticídio devia, porque isso é uma vida humana que se destrói; quanto ao homicídio também e assim sucessivamente)!

 

A nossa sociedade não proíbe o aborto na prática! Portanto, o Código Penal também não o deve proibir.

 

É por isto que eu sou contra a despenalização. Porque a despenalização é, primeiro, um contra-senso. Isto é: se há um crime sem pena, como é que se pode manter esse crime sem pena?...

 

O que se está aqui a fazer é a tentar reduzir a pena em certa partes do crime. O crime existe, mas a gente reduz a pena ou não aplica a pena.

 

Mas o crime existe. Se quiserem, a mulher até pode ser condenada a varrer as ruas, em vez de ir para a cadeia. Então, quando a gente encontrar uma amiga nossa a varrer a rua perguntamos-lhe: «O que é que aconteceu?». E ela diz-nos: «É pá, abortei; lá fui apanhada, não é?...»

 

A DESPENALIZAÇÃO É UMA FORMA DE MANTER SEMPRE O CRIME…

 

O caminho não é despenalizar; é lutar contra a criminalização do aborto. Isto é, abortar deve ser um direito individual da mulher. Um direito. Não é uma oferta, nada disso. É um direito!

 

Se a mulher porventura entender que não quer ter o filho, discute isso com o marido, quanto muito discute isso em casa com os filhos que já tem, mas não vem discutir com o Estado, nem com a igreja, nem com ninguém. Trata-se de um problema exclusivamente interno da mulher, quanto muito da família, mas não de mais ninguém.

 

 

Não reconheço, portanto, autoridade a ninguém para vir dizer se a mulher deve ou não deve consultar o Estado, consultar o hospital, consultar o médico, ou seja o que for, para abortar. Se ela decidir abortar, vai ao serviço de saúde - como vai tratar de qualquer outro tipo de patologia que tenha -, chega lá e tem que ser tratada. Não me venham com mais histórias.

 

É por isto que eu sou contra a despenalização. A despenalização é uma forma de manter sempre o crime. Enquanto que se se lutasse contra a criminalização, isto é, pelo aborto como um direito da mulher, da sua vida privada, da privacidade da família com o qual nós não temos nada a ver, então nessa altura não era preciso lutar pela despenalização.

 

Nós estamos a ir por caminhos errados e que levam a que possa permanecer por mais séculos o objectivo que queríamos deitar abaixo - e que era não criminalizar o aborto

 

            Mas também estou contra a pergunta. Estou contra a pergunta e voto sim. Estou contra a pergunta porque ela é uma rematada tolice - com o devido respeito pelas pessoas que pensam o contrário, como o professor Pinto da Costa, que é um homem de uma enorme inteligência e que, portanto, quando eu digo tolice não é a ele que estou a tratar.

 

«Concorda ou não concorda com a interrupção voluntária da gravidez»? Bom, podem chamar o que quiserem ao aborto; podem chamar-lhe interrupção voluntária da gravidez ou até interrupção voluntária da estupidez… Fazem o que quiserem. Mas é do aborto que estamos a falar. Utilizemos as palavras sem medo!

           

Se está de acordo «até às 10 semanas»? Mas porquê até às 10 semanas, Deus meu?! Porque não às 40 semanas, porque não às 30, porque não às 20? É claro que as pessoas vão dizer: este gajo é um bárbaro (e não estão muito longe disso diga-se de passagem…)! Com 40 semanas, no termo da gravidez, ir abortar… Pois a lei já permite isso. Se o feto não for viável pode-se abortar até às 40 semanas. Portanto, já está na lei - quando, manifestamente comprovado, o feto não é viável.

 

Porquê as 10 semanas? Porque, evidentemente, se quer abrir uma pequenina brecha; porque até às 10 semanas é quando as pessoas o decidem ir fazer… Está bem, mas se não o fizerem até às 10 semanas? Suponham que uma mulher casou com um selvagem qualquer que a deixou grávida e que às 10 semanas se pôs na alheta?... Ora, para ela as 10 semanas não têm significado nenhum. Têm é a partir daí; a partir daí é que ela tem que decidir se fica com o filho ou não fica!

 

Portanto, também não concordo com a pergunta.

 

ACASO A MULHER É ALGUM SER SEM INTELIGÊNCIA E SEM CAPACIDADE DE DECISÃO?!

 

Mais: a pergunta transforma a mulher num boi que vai para o açougue, para o matadouro. «Concorda com a despenalização voluntária da gravidez até às 10 semanas, quando feito num estabelecimento oficial de saúde legalmente autorizado…»… E porque é que tem que ser num estabelecimento oficial de saúde? Porque é que não pode ser noutro sítio qualquer? E porque é que tem que ser acompanhada? E porque é que se tem que dar conselhos à mulher («a senhora não aborte agora, talvez seja bom ter o filho…»)? Porque é que se tem que fazer isto à mulher?...

 

Acaso a mulher é uma criança? Acaso a mulher é algum ser sem inteligência e sem capacidade de decisão? Acaso se deve tratar a mulher como se não tivesse inteligência? Acaso é isso que nós queremos para as nossas mulheres?!...

 

Não é isto! Mas eu vou votar sim. Eu sou contra o referendo mas vou votar sim. Porquê?

 

O REFERENDO COMO TÁBUA DE SALVAÇÃO DO GOVERNO SÓCRATES

 

É que nós estamos a embarcar num logro. Ninguém viu ainda? Não pode ser…

 

Os senhores não compreenderam ainda que isto é a tábua de salvação do governo do Sócrates? Os senhores não compreenderam ainda que isto veio agora para tentar fazer esquecer o que se está a passar com o governo do Sócrates? Os senhores não compreenderam que, enquanto se está ocupado com o aborto, o Sócrates faz tudo o que quer e entende? Não compreenderam isto? Isto é uma traição, não é outra coisa! Mas eu vou votar sim!

 

Vou votar sim por razões opostas às dos meus amigos que estão na mesa. Isto é, voto sim porque seria incompreensível da minha parte não aproveitar o momento para tornar a situação menos grave do que já é.

 

Portanto, isto é uma pequenina reforma. Eu voto na pequenina reforma. Mas eu não quero a reforma. Eu quero é a revolução nesta matéria. E é tudo.

 

(Transcrição e subtítulos, da responsabilidade da redacção do «Luta Popular» e da redacção do «Discurso directo»)



publicado por Gerês às 21:22
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